domingo, 24 de agosto de 2008



A história de Vincent Martin - Ídolo dos Rude Boys e inimigo N°1 da polícia Jamaicana

A violência sempre esteve presente na cultura jamaicana. É uma ilusão a idéia de paz que foi criada e enraizada em torno dela. Onde a idéia criada é de muita tranqüilidade e paz, o que nem sempre foi assim. O que diria Vincent Martin, que viria a ser o inimigo número um da policia Jamaicana e um ídolo da população e dos Rude Boys, que era uma turminha que não se interessavam muito por letras de Jah, Peace and Love.

Quando Martin chegou a Kingston, em 1934, a bordo de um pau-de-arara, aos 14 anos de idade, ele não imaginava transformar-se em um dos personagens mais importantes – ainda que por razões nada santas – da história Jamaicana

Martin, Nascido no condado de ST. Parish, em 1924, decidira mudar-se para a capital, como tantos outros jovens, em busca de melhores condições de trabalho. Ele optou, porém, por um atalho perigoso e acabou no mundo do crime, e ainda o glamourizando. Depois de cometer pequenos roubos, nos quais invariavelmente feria sua vítima com armas brancas, e se envolver com a pior escória dos guetos de Kingston - onde ganhou o apelido que o tornaria famoso, “Rhygin” -, ele acabou preso em 1948 e foi condenado, por algumas boas décadas, a ver o sol nascer quadrado na penitenciária geral da Jamaica.

Mas não durou muito o aprisionamento de Rhygin’. Em abril daquele mesmo ano, ele fugiu da penitenciária, dando início a uma série de espetaculares confrontos com a polícia jamaicana.
Exibicionista e arrogante, ele não se preocupou em sumir da cena por um tempo após a fuga. Pelo contrário: em maio, distribuiu fotos suas pelos guetos da cidade. Como um Cowboy do Velho-oeste, Rhygin’ posou com duas pistolas, uma em cada lado da cintura.
Tanta ousadia irritou ainda mais a policia e teve efeito inverso nas ruas, onde Rhygin’ passou a ser encarado como um herói. Seus atos só contribuíram para aumentar essa dupla personalidade. Em setembro, ele foi descoberto pela polícia em um esconderijo num hotel em Hannah Town. Mais uma vez, Rhygin’ escapou da lei ferindo um policial e matando outro.
Reforços chegaram e apenas aumentaram o numero de policiais enganados por Rhygin’. Pior, aumentaram também a lista de suas vítimas, já que outro policial caiu morto ao tentar capturá-lo horas mais tarde. Aquele dia de cão, estrelado por um bandido que parecia ter o corpo fechado, terminou em Spanish Town, onde Rhygin’ atirou em três mulheres, furioso por não encontrar Eric Goldson, homem que o havia enganado antes de ir para a prisão. Uma das feridas era a namorada de Goldson.
depois disso Rhygi
n’ sumiu na fumaça por seis semanas. Durante esse período, os nervos dos policiais estiveram à flor da pele. Não era apenas uma questão de honra prender Rhygin’. Com o passar do tempo, sua captura passou a ser também questão de ordem social. Afinal, crescia a popularidade de Rhygin’ nos guetos, onde volta e meia surgiam pintados de forma provocante: “Rhygin’ esteve por aqui. Mas já se foi”. Por conta disso, foi organizada uma verdadeira caçada humana ao inimigo n°1 da Jamaica. Ou melhor da polícia na Jamaica, porque o povo o via com muita simpatia.

Rhygin’ havia-se escondido em Lime Cay, ilha deserta nos arredores de Port Royal, cidade perto de Kingston. De lá ele pretendia pegar um barco e desaparecer para sempre da ilha, possivelmente rumo a Cuba. Sua sorte, contudo, não chegou à areia. Encontrado e cercado por quase um batalhão inteiro de policiais, Rhygin’, segundo a versão oficial, reagiu à voz de prisão e for morto a tiros. Muitos tiros. Pelo menos duas dezenas de balas foram encontradas no seu corpo.

A notícia correu rápida pela ilha e não demorou muito para que o cemitério de Kingston ficasse cheio de gente, a maioria formada por moradores dos miseráveis bairros de lata, todos dispostos a dar um último adeus àquele sujeito franzino que tinha desafiado as autoridades e tombado orgulhosamente. Disposta a enterrar o criminoso rapidamente, a polícia dispersou a massa com tiros para cima e cassetete para baixo. Chegava ao fim a era Rhygin’.

Mas para os Rude Boys era apenas um começo.

Essa história, verídica, foi retratada no filme “The Harder They Come” de 1971. Protagonizado pelo cantor Jimmy Cliff, que faz o papel de Rhygin’ sob o nome de Ivan. O filme é baseado na vida de Rhygin’, mas com uma mudança no roteiro, onde Ivan é um garoto do campo que é seduzido pelo brilho da cidade grande, onde decide tentar a sorte e é impedido pela sociedade corrupta de chegar ao sucesso prometido. O inconformismo e a vontade de vencer o fazem entrar pelo mundo do crime. É aí que as histórias se misturam, Ivan ganha fama como criminoso, e conseqüentemente passa a fazer sucesso na música e no crime. Não é à toa que o filme virou referência para Rude Boys e amantes da música Jamaicana.

O filme ainda tem números musicais quase inteiros com Toots and The Maytals cantando "Sweet and Dandy", o próprio Jimmy Cliff cantando a faixa-título entre uma trilha sonora impecável.

Don Drummond


Don Drummond was the man with the big Trombone....

Também conhecido como "Don Cosmic" nasceu em 1943 na capital jamaicana e assim como muitos outros jovens da periferia de Kingston estudou música na Alpha Boys School (que formou muitos dos grandes nomes da música jamaicana na época). Em 1954 foi escolhido como melhor trombonista da escola e em 1955 começou a tocar com Tommy Mc Cook e Roland Alphonso. Recebeu ainda suporte de Clement "Coxsone" Dodd, que tocava trechos seus em suas sound systems. Don Drummond havia passado por muitos hospitais psiquiatricos e nem sequer tinha um trombone, mas Coxsone estava muito impressionado com seus solos e sessões de trombone. Assim, em 1956 ele grava seu primeiro disco, chamado "On The Beach" com Owen Grey nos vocais.Em 1962 Chris Blackwell começou a relançar gravações jamaicanas na Inglaterra e muitas das composições de Don Drummond só viram a luz do dia pelas mãos dos selos Island e Black Swan. Don Drummond gravou mais de 300 músicas antes de morrer com apenas 27 anos.Em 1964, sob supervisão de Coxsone, o tecladista e diretor musical Jackie Mittoo começou a contratar os melhores músicos da Jamaica para criar um som que dominaria a cena musical local nos anos que se seguiriam. As sementes do Skatalites eram Jackie Mittoo ao lado de Johnny Moore no trompete e Lloyd Knibbs na bateria. Depois que o guitarrista Lynn Taitt e o saxofonista Tommy Mc Cook decidiram entrar na banda, Don Drummond se tornou pelas mãos de Jackie Mittoo o mais influente compositor e músico na banda. Em seu primeiro disco solo, "Don Cosmic" lançou as seguintes músicas "Confuscious", "Ringo", "Treasure Isle", "Eastern Standard Time", "Heavenless", "Occupation", "Meloncolly Baby", "Snowboy", "Elevation Rock", "Schooling the Duke", "Valley Princess", "The Reburial of Marcus Garvey", "Addis Ababa", "African Beat" e "Further East".Em 1964, "Man in the Street" entrou para o UK Top 10 e mais tarde em 1967, a adaptação de Don Drummond para o tema do filme "Guns of Navarone" rendeu a ele o seu segundo UK Top 10. Don Drummond não era só um gênio. Seu prestígio com os ourtos músicos começou como um sonho e se tornou uma história de esperança para qualquer garoto dos guetos que tocava música. Isso porém começou a trazer stress e problemas para Don Drummond. A pressão da fama junto a sua saúde mental que piorava cada vez mais seria uma bomba para a carreira do músico. Em 1965 foi achado o corpo de Anita Mahfood e Don Drummond preso como autor do homicídio. Após condenação e exames foi mandado para o asilo Belle Vue onde morreu em 1969, mas a história não termina aí. O baterista Hugh Malcolm rasgou o atestado de óbito do serviço funerário, se recusando a acreditar na história oficial. Assim como muitos na Jamaica, Malcolm acha que a morte de Don Drummond não foi suicídio. A teoria é que Don Drummond apanhou até sua morte, espancado por guardas, com o aval do governo que era contra a cena musical de West Kingston por anos e contra o crescimento rasta. Outra teoria inclui a contratação de gangsters por parte do pai de Mahfood. A história não é simples, são um conjunto de teorias que tentam desvendar esse caso, mas a verdade é que Don Drummond era um homem doente e juntamente com a pressão da fama vivia sua vida no fio da navalha. A história da sua vida e música é a típica história do gênio que termina em tragédia.Para terminar, as palavras de um homem que conheceu e trabalhou com Don Drummond, o grande Tommy Mc Cook, sobre o início do Skatalites:"O line up incluía Don Drummond. Ele era realmente fantástico tanto como compositor como instrumentista. Não tinha truques. Ele simplesmente pegava qualquer base de ska e transformava aquilo em diamantes."

Twinkle Brothers





Os Twinkle Brothers vieram da costa norte da Jamaica, dos guetos de Falmouth em Trelawny. Os dois irmãos, Norman e Ralston Grant começaram cantando no coral da igreja local e em pequenos concertos quando eram jovens, e também foi aonde aprenderam a tocar instrumentos, mesmo sem a condição financeira de comprá-los. Quando a Jamaica ganhou a independência no começo dos anos 60, eles começaram a participar de competições de verdade, como os festivais "Pop And Mento", ganhando diversos festivais nacionais. Ainda nos anos 60, se juntaram a uma banda também de Falmouth, chamada The Cardinals, que começaram a tocar em diversos clubes pela ilha. No final dos anos 60, decidiram ir à Kingston para fazer audições e tentar gravar. O primeiro a gravar foi Norman, com a musica "Somebody Help Me" pelo selo de Leslie Kong. A primeira música gravada pelo grupo todo foi "Matthew And Mark", pela Treasure Isle de Duke Reid. No começo dos anos 70, participaram de um festival, ficando somente atrás de Hopeton Lewis. Naquele tempo, gravavam pelo selo Jack Pot, de Bunny Lee, chegando a gravar por outros selos, inclusive o Upsetters, mas em 1970 criaram o seu próprio selo, chamado Twinkle. Possuem uma discografia invejável com inúmeros discos e compactos, com um disco e um vídeo ao vivo no festival Sunsplash e um álbum ao vivo na Polônia.

Do RootsGregory ao TecnoGregory

O inimitável Gregory Isaacs construiu ao longo dos últimos vinte anos uma das mais sólidas discografias do reggae, chegando a quase 400 lançamentos, entre LP's e compactos. Na época em que ele começou sua batalha rumo ao sucesso, cantando com o grupo The Concords, a Jamaica fervilhava musicalmente. Talentos não faltavam e a competição era selvagem. Mas a voz envolvente, o estilo e o carisma de Gregory fizeram a diferença. Seu primeiro LP solo foi 'Love is Overdue' (lançado no Brasil pela Eldorado - foto ao lado), que trazia a sua marca registrada: arrebatadoras canções de amor que fizeram dele o rei do reggae romântico. Sua voz deslizava suavemente pelos ritmos providenciados pela Soul Syndicate Band. Este disco foi lançado aqui no Brasil, assim como as coletâneas 'My Number One' e 'Willow Tree' e 'Looking Back' (a última a sair e compilada pelo próprio Gregory) com trabalhos da época. Outros discos da fase roots foram 'Extra Classic', com produções de Lee Perry, 'The Best of Gregory Isaacs', reunindo as produções de Alvin Ranglin, e a obra-prima 'Mr. Isaacs', gravada em 76. Gregory se firmou como um dos mais prolíficos compositores jamaicanos e sua popularidade se espalhou rapidamente.

Partiu então para vôos internacionais excursionando pela Europa e EUA, com muito sucesso. Dessa fase são os excelentes discos 'More Gregory' e 'Sly & Robbie presents Gregory Isaacs'. Em 82 Gregory se superou, atingindo seu auge com o LP 'Night Nurse', um ponto alto não só de sua carreira como do próprio reggae. Acompanhado pela super afiada Roots Radics Band ele mostrou que a perfeição pode ser atingida. Com a mesma banda Gregory fez shows antológicos, que levavam as platéias, especialmente as mulheres, ao delírio ' como pode ser comprovado em 'Gregory Isaacs - Live', registro de uma apresentação na Inglaterra. Depois vieram os problemas com drogas e prisões, que afetaram sua produção. Mas isso não foi o bastante para vencer o obstinado Gregory. Depois de um período irregular, quando lançou 'Victim' e 'Private Beach Party', ele retomou o ritmo frenético de antes.

Do seu trabalho com o produtor Augustus 'Gussie' Clarke resultou o ótimo 'Red Roses for Gregory', de 88, que o levou de volta às paradas com o hit 'Rumours'. O Dancehall já dominava a cena, mas o agora veterano Gregory encarava de frente a competição com a garotada e fazia bonito em discos como 'Dancing Floor' (lançado no Brasil), ' Unforgetable', 'I.O.U.', 'Call me Collect', 'No surrender', 'Pardon me', 'Dancehall Don' (foto ao lado) e 'Come Closer'. Gregory continua dando o que falar: ele resolveu cortar suas longas tranças (locks) para causar mais impacto com o seu CD 'Unlocked' (que parece ser uma brincadeira com a onda 'Unplugged'). Felizmente estamos longe de ver a sua aposentadoria. A voz mais aveludada do reggae continua em plena forma e suas criações se sucedem, no mesmo ritmo da sua juventude, levando em frente a lenda.

Letra Traduzida - Zimbabwe

18 de abril de 1980. aconteceu o momento mais importante da carreira de Bob Marley: o show que comemorou a independência do Zimbabwe (antiga Rodesia) do jugo colonial britânico, conseguida após uma luta sangrenta de libertação empreendida pelos guerrilheiros da ZANU. Esta guerra durou vários anos e teve como um de seus hinos principais a canção 'Zimbabwe', do mestre Marley. Hoje em dia circulam versões de que Marley inclusive teria conseguido armas para os rebeldes, que eram acossados tanto pelas forças rodesianas quanto pelas do então regime racista da Africa do Sul. Quando ficou claro que os guerrilheiros não se renderiam, foi feito um acordo que daria a independência ao país (que se tornaria membro da Comunidade Britânica de nações) em troca da retirada pacífica dos ingleses que residiam lá. A oficialização do tratado seria feita em uma grande cerimônia em que o Principe Charles representaria o antigo Imperio Britånico e acabaria com uma apresentação de Bob Marley e os Wailers.

Segundo a americana Dera Thompson, que esteve com os Wailers nesse dia e deu um depoimento emocionado para a revista The Beat: "Nós choramos e sorrimos e todos no estádio gritavam e cantavam. Era como se dissessem, nós vencemos, o Zimbabwe é nosso de novo! Não podíamos acreditar que era verdade. Depois houve 21 salvas de canhão, e nós a sentimos, 21! E esse foi o maior momento, o maior momento de nossas vidas."

Zimbabwe

Every man gotta right to decide his own destiny,


And in this judgement there is no partiality

So arm in arms, with arms, we'll fight this little struggle,

'Cause that's the only way we can overcome our little trouble.

Todo homem tem o direito de decidir sobre o seu próprio destino.

E este julgamento terá de ser imparcial

Então ombro a ombro, e armados, combateremos nesta pequena luta

Pois é a única forma de superar o nosso pequeno problema


Brother, you're right, you're right, You're right, you're right, you're so right!

We gon' fight (we gon' fight),

we'll have to fight (we gon' fight),

We gonna fight (we gon' fight), fight for our rights!


Meu irmão, você está certo, está certo, está certo, está certo, está tão certo!


Vamos lutar (vamos lutar)


Temos que lutar (temos que lutar)

Iremos lutar (iremos lutar), Lutar pelos nossos direitos!


Natty Dread it in-a (Zimbabwe);

Set it up in (Zimbabwe);

Mash it up-a in-a Zimbabwe (Zimbabwe);

Africans a-liberate (Zimbabwe), yeah.

Sendo Dread no (Zimbabwe);


Se assentando no (Zimbabwe);

Arrasando no Zimbabwe (Zimbabwe);

Os Africanos vão libertar o Zimbabwe (Zimbabwe), yeah.


No more internal power struggle;

We come together to overcome the little trouble

. Soon we'll find out who is the real revolutionary,

'Cause I don't want my people to be contrary


Sem mais lutas internas pelo poder ;

Vamos nos juntar e superar o nosso pequeno problema

Logo saberemos quem são os verdadeiros revolutionários,

Porque não quero ver o meu povo sendo contrário;

Repete Refrão


To divide and rule could only tear us apart;

In everyman chest, there beats a heart.

So soon we'll find out who is the real revolutionaries;

And I don't want my people to be tricked by mercenaries.


Dividir para governar pode apenas nos dilacerar;

No peito de todo homem, bate um coração

Logo saberemos quem são os verdadeiros revolutionários,

Porque não quero ver o meu povo sendo enganado por mercenários.

Baile reggae em São Luís - MA



Baile reggae em São Luís - MA

O reggae chegou, ficou, e precisa apenas ser mais estimulado, incentivado, para desabrochar cada vez mais. Sendo a música jamaicana a onda do momento, é também uma linguagem natural, e às vezes mais clara e objetiva do que outros ritmos musicais de hoje, sem mensagem nenhuma. O reggae leva a vantagem de ser compreendido e identificado por todos. Hoje ele representa um dos grandes recursos para a liberação da tensão tão freqüente no corpo humano, propiciando às pessoas momentos de satisfação interior e bem-estar físico e psicológico. A dança e o conseqüente ritmo do reggae estão entranhados no homem negro, no sangue, na cor e no swing desta raça tão musical.

Basta que se abra o coração e se ouça o reggae, para que seja despertado o íntimo das pessoas. Através da pulsação do grave cadenciado, o corpo todo será levado ao movimento por este ritmo inebriante. E, pela infiltração do som, o corpo se solta na pura expressão da alma que se deixa levar pela emoção latente do prazer de se mexer.

O conteúdo forte e pulsante do ritmo jamaicano está atraindo um número cada vez maior de adeptos, inclusive já está sendo ensinado como terapia corporal em academias de ginástica, não apenas em São Luís, mas por todo o Brasil, como no caso do casal dançante Naytty Nayfson Henrique dos Santos e Rosemary Rodrigues, ambos do bairro da Liberdade. Eles foram para São Paulo em 1988, especialmente para ensinar o gingado do reggae, que cada dia contagia mais e mais as pessoas que seguem ou dançando juntos, sentindo o molejo e a respiração cadenciada do outro, ou, como na Jamaica, separados, cada qual em seu próprio ritmo.

Há algum tempo a dança do reggae está sendo usada conscientemente por regueiros dançarinos profissionais, como no caso dos gêmeos Rômulo e Ramon (foto acima), de São Luís, que usam a música jamaicana como a forma de liberação da espontaneidade, dentro dos métodos mais modernos da terapia corporal.

O regueiro dançarino profissional deve motivar a criatividade de cada aprendiz, verificando as mudanças de nível do corpo em relação à posição do pé. Normalmente o aprendiz tem um pouco de medo de fazer, cabe ao profissional dar condições psicológicas, espaço físico e segurança, e saiba que o aprendiz não vai se machucar.

Para dançar o reggae rock, ou o reggae roots, é melhor dar os primeiros passos pela batida da bateria, não é preciso muita técnica, mas o regueiro, apesar de se basear na emoção que brota no sentimento, também deve se apoiar no estudo minucioso de movimentos, iniciando assim os primeiros passos para dançar o reggae.

Onde o reggae é a lei

O depoimento acima traduz um pouco do que significa a dança para a massa regueira do Maranhão. Mas como o ritmo jamaicano ganhou tamanha força e passou a ser dançado "agarradinho", como em nenhum lugar do mundo?

O livro "Da Terra das Primaveras à Ilha do Amor - Reggae, lazer e identidade cultural" do antropólogo Carlos Benedito Rodrigues da Silva (Editora da Universidade Federal do Maranhão, 1995) faz um estudo detalhado sobre o reggae no estado e é a melhor opção para quem deseja se aprofundar no assunto. Lá podem ser lidos raros depoimentos de disk-joqueis e proprietários de radiolas (grandes sistemas de som mecânico semelhantes aos sound-systems jamaicanos), que revelam como o reggae chegou ao Maranhão, em meados da década de 70, trazido pelo discotecário Riba Macedo,que, por sua vez, tinha sido apresentado ao ritmo por um vendedor de discos de Belém - PA.(Ras Alvim).

Naquela época os bailes maranhenses eram embalados por ritmos variados, como o forró e o merengue. O reggae passou a ser colocado no intervalo de músicas mais agitadas, a famosa "música lenta". Como as pessoas já tinham o hábito de dançarem juntas nessas horas, é natural que o reggae também fosse dançado assim. Outra origem apontada no livro para a forma maranhense de se movimentar ao som do reggae é a realização periódica de concursos de dança pelos clubes, que sempre premiavam duplas de dançarinos.

O ritmo logo foi eleito como o preferido pela maioria dos frequentadores dos salões e há mais de vinte anos segue com força no gosto local, imune aos modismos e sem sufocar outras manifestações musicais que formam a riquíssima cultura maranhense, como temiam alguns. Tal maneira de apreciar o reggae não só continua forte no Maranhão como está ganhando adeptos em estados vizinhos, como o Piauí e ajuda a fortalecer o movimento no Pará.

JAH LIVE

A morte do imperador da Etiópia, Hailé Selassié I, em 27 de agosto de 1975, parecia ser o golpe fatal no movimento rastafari. Para os rastas, ele era a encarnação de Deus, ou JAH, e deveria conduzir os negros do mundo inteiro `a redenção e `a vitória na luta contra aBabilônia. No entanto, poucos meses depois, estourava nas paradas jamaicanas a canção de Bob Marley que dá nome a esta página, contragolpeando com estes versos:"Os imbecis dizem no seu coração / Rasta, o teu Deus está morto / Mas nós sabemos / Os dreads serão dreads hoje e sempre / Jah está vivo". A profecia de Bob Marley estava certa.

Haile Selassie  em seu tronoDe lá para cá, os veneráveis mestres do reggae nunca deixaram de disparar os seus petardos sonoros contra as injustiças do Sistema Babilônico. Depois de um certo recuo do reggae de inspiração rasta nos anos 80, as vibrações de Jah estão voltando a ganhar força no reggae das novas gerações. Os rastafaris mantêm viva a sua fé e continuam sua batalha incansável em defesa da justiça social e da igualdade de direitos, não só na música, mas também em outros campos. Espalhados por vários lugares do mundo (Jamaica, EUA, Inglaterra , África, Japão, Nova Zelândia, Austrália etc.), os rastas organizam eventos internacionais, ligam-se na Internet (para conferir é só pesquisar a palavra "rastafari") e mantêm uma intensa atividade editorial, com a publicação de revistas, jornais, panfletos e livros de circulação mundial. Vale a pena dar um passeio pela história e pelas idéias do movimento rastafari.

Origens

O Rastafarianismo não surgiu na Jamaica por acaso. Uma longa história de resistência e rebeldia preparou o seu caminho. Uma história que começa com o episódio da revolta dos Maroons (uma quilombo bem sucedido, formado por escravos fugitivos que resistiram por mais de 80 anos ao exército inglês e se tornaram independentes do governo colonial) e que avança até o fenômeno rude boy (jovens rebeldes e violentos que habitavam os bairros de lata de Kingston nos anos 60), passando por diversas rebeliões de escravos e ex-escravos. As duas maiores aconteceram no século passado, lideradas por Sam Sharpe e Paul Bogle, dois lendários pastores da "Native Baptist Church", uma igreja protestante jamaicana que teve um importante papel como veículo de expressão para o sentimento de revolta dos negros. Um dos capítulos decisivos dessa história é a trajetória de Marcus Garvey, um jamaicano descendente dos Maroons, que se tornou famoso como líder do movimento negro nos EUA e na Jamaica do início do século. Entre outras realizações, ele criou a "Universal Negro Improvement Association" (UNIA), o jornal "Negro World", a companhia de navegação "Black Star Line" ( que tinha como objetivo não declarado viabilizar o retorno dos negros das Américas para o continente africano), e exerceu uma importante influência nos movimentos, que, mais tarde, libertaram a Africa do domínio colonial europeu. As idéias de Marcus Garvey encontraram eco entre os líderes religiosos da Jamaica e ele ganhou fama de profeta. Sua pregação combinou-se a uma interpretação livre da Bíblia, especialmente do Velho Testamento. Garvey e seus seguidores identificavam-se com a história das tribos perdidas de Israel, vendidas aos senhores de escravos da Babilônia. Essa metáfora inicial gerou uma série de imagens simbólicas que se tornaram constantes na tradição oral dos rastas: "Babilônia", "Zion", etc.

Surge Jah

Numa das profecias atribuídas a Marcus Garvey, previa-se que um Rei Negro seria coroado na África e que esse rei seria o líder que conduziria os negros do mundo inteiro `a redenção. Quando, em 1930, Ras Tafari Makonnen foi proclamado rei da Etiópia, adotando o pomposo título de "Rei dos Reis, Senhor dos Senhores, Sua Majestade Imperial, Leão Conquistador da Tribo de Judá, Eleito de Deus", os líderes religiosos e seguidores de Garvey na Jamaica reconheceram nele o Rei Negro de que o profeta havia falado. Ras Tafari, que adotou o nome de Haile Selassie I (visto na foto acima com 6 anos e na foto abaixo, ao lado com seu filho bebê), proclamava-se legítimo herdeiro da antiga linhagem do Rei Salomão (que teve um filho com a rainha do reino etíope de Sabá) e seria o messias que libertaria os negros do mundo inteiro e os levaria de volta `a terra de seus pais. Mais do que isso, ele passou a ser considerado por esses pregadores a própria encarnação de Deus, que, segundo sua interpretação da Bíblia, haveria de ser negro. Um trecho do Apocalipse de São João foi invocado como confirmação do destino do novo Rei da Etiópia: "Não chores! Eis aqui o Leão da Tribo de Judá, a raiz de David, que pela sua vitória alcançou o poder de abrir o livro e desatar os seus sete selos" (5:5). Desde então, esses pregadores adotaram o nome de rastafari. Passaram a dirigir a Hailé Selassié suas preces e a depositar nele suas esperanças de libertação. Não apenas a vida de Selassié, mas toda a história e a cultura da Etiópia tornaram-se, a partir daí, uma constante fonte de inspiração para os rastas. Para eles, é particularmente importante o fato da Etiópia ser a única terra africana que se manteve livre do jugo europeu, mesmo durante o apogeu do colonialismo (no dia 1ª de março foi comemorado o centenário da batalha de Adwa, em que o exército etíope do imperador Menelik II rechaçou uma tentativa de invasão italiana). No entanto, de 1935 a 1941, o país foi ocupado pelo exército fascista de Mussolini. Os soldados de Selassié expulsaram-no de seu território com a ajuda dos ingleses, em um episódio cheio de significados que valeu ao imperador a fama de "Conquistador do Fascismo", "Pacificador de Nações" e "Defensor da Moralidade Internacional". Mais tarde enfrentou uma tentativa de golpe mal sucedida que teve início quando ele estava em visita oficial ao Brasil .

Desde o seu surgimento, na década de trinta, o movimento rastafari cresceu lentamente. Um dos marcos mais importantes dessa evolução foi a queda da Pinnacle, uma comunidade rasta fundada nos anos quarenta pelo pregador Leonard Howell. Em 1954 uma batida policial destruiu a comunidade e os seguidores de Howell dispersaram-se pela ilha. Muitos foram para os bairros de lata de Kingston, onde começaram a divulgar suas idéias. Foi sobretudo a partir da década de sessenta que o movimento ganhou maiores proporções. Um crescimento que, em grande parte, deve-se ao reggae. Através de seus artistas, que se tornaram também os grandes pregadores das idéias do rastafarianismo, a religião conquistou seu lugar na cultura da Jamaica, onde, apesar do preconceito que ainda enfrentam, os rastas e seus dreadlocks se tornaram uma marca registrada.

Batalha de Adwa - Pintura etíope do sec. XIX

Hoje

Quando Hailé Selassié morreu, o reggae já havia espalhado as sementes do rastafarianismo pelos quatros cantos do planeta. Não era mais possível deter sua mensagem, que, embalada pela música poderosa de Bob Marley, tinha ganhado força. Talvez porque as idéias, crenças e atitudes dos rastas conseguem exprimir uma série de sentimentos e desejos comuns `as comunidades negro-americanas e a todos os explorados pelo implacável sistema imposto pelo primeiro mundo. A narrativa bíblica da procura pela terra prometida dá aos negros das Américas uma forma alternativa de conhecimento de sua história. Uma interpretação própria de seu destino que aponta as verdadeiras causas das adversidades (o colonialismo, a escravidão etc) e um caminho para a redenção, o repatriamento para o continente africano. Este projeto não é apenas uma utopia política. Através dele os rastas manifestam de forma simbólica o sentimento de que a comunidade negro-americana não está integrada no ambiente em que vive. Manifestam também o desejo de construir uma sociedade justa (não necessariamente na Africa), onde o negro e sua herança cultural encontrem um lugar digno.

Nesse contexto, o lugar ocupado por Hailé Selassié é fundamental. A idéia de um rei negro para o povo negro encarna um desejo legítimo de autodeterminação. A história da sua dinastia funciona como lembrança de um passado de glórias que se oferece como alternativa `as adversidades do presente. A figura de Hailé Selassié estabelece uma ligação direta com esse passado. O mesmo acontece com a Etiópia. A resistência ao colonialismo europeu e sua milenar riqueza cultural fazem com que essa nação seja importante referência para a recuperação das raízes do homem negro. Enfim, através do mundo simbólico do rastafarianismo o homem negro (e não apenas ele, mas todos aqueles que de alguma forma identificam-se com a sua causa), pode ter uma imagem positiva de si mesmo. Uma imagem baseada na valorização de suas raízes, na consciência de sua história e na determinação de tornar-se agente de seu próprio destino. Essa talvez seja a grande força que mantém viva a chama Rastafari. Jah Live!

Notas:

(1) Jah: Abreviação do nome bíblico "Jeovah", usada para designar Deus ou sua encarnação terrena, segundo os rastas, o Imperador Hailé Selassié I.

(2) Babilônia: Lugar imaginário que representa o sistema social construído com a escravização dos negros.

(3) Dread: Rebelde, terrível. Todo verdadeiro rasta é também um "dread".

(4) Zion: A Terra Prometida. Lugar imaginário que representa a possibilidade de recusa ou fuga da Babilônia.

(5) Ras: Título de nobreza etíope muito comum nos nomes adotados pelos rastas.

(6) Dreadlocks: Longas tranças usadas pelos rastas.

A Lendária Etiópia - Ensaio em homenagem ao Imperador Hailé Selassié

No curso da História, houve três reinos, independentes e distintos entre si, os quais, em épocas próprias, foram denominados Etiópia: Napata, Méroe e Aksun (ou Axum).

Ao exame dos textos históricos, parece ressaltar que a denominação de Etiópia aplicava-se, mais apropriadamente, ao reino de Aksun (Axum), enquanto para Méroe e Napata representava apenas uma designação greco-romana.

O termo Etiópia (Ethiopia) parece ter resultado do esforço dos escritores gregos antigos para designar essa região da África Oriental, cujo nome originário, indígena, era ininteligível para eles. Seu significado é, aproximadamente, “país das gentes de rostos queimados”, ou seja, genericamente, a raça negra.

A designação indistinta de Etiópia para designar, genericamente, todos os países antigos situados ao sul do Egito, praticada por escritores antigos, dificulta a compreensão exata da localização geográfica de eventos registrados pela história, ocorridos naquela parte do mundo. Observe-se a narrativa bíblica (Atos dos Apóstolos, cap.VIII, 27/39) onde um dos personagens seria um “alto funcionário de Candace, rainha da Etiópia”. Um rápido exame dos mapas da região nos convence que, em época tão remota, longe das conquistas dos atuais meios de transporte, seria improvável que um alto funcionário ousasse ausentar-se de suas funções para cumprir tal viagem, dada a enorme distância entre o local do encontro com Felipe (Jerusalém) e o reino da Etiópia (atual).

O termo Candace, comum aos textos bíblicos e de História, originário do grego Kandakê é a forma latina, com influência francesa, de Kantakai. Representava o título real comum às raínhas do império etíope. Os gregos e os romanos usavam essa denominação como nome próprio das soberanas com as quais mantinham relações políticas.

O império abissínio teve início mil anos antes da era cristã, e terminou em 1974, com a deposição do último imperador.

A origem lendária do império remonta ao filho de Salomão, rei dos judeus, com Balkis, rainha de Sabá. Esse filho é chamado, por alguns autores, por Menelik, e por outros, de David, e é apontado como origem dos negus da Abissínia.

Ainda segundo a tradição abissínia, durante sua permanência em Jerusalém, a rainha de Sabá tornou-se mulher do rei Salomão. Teria retornado ao seu país grávida, e teve um filho, que foi educado em Sabá durante a infância. Na adolescência, foi enviado a Jerusalém, para aprimorar seus estudos e conviver com seu pai, por alguns anos, procurando absorver sua proverbial sabedoria. Nessa ocasião, teria sido ungido e sagrado no Templo, com o nome de David, em homenagem ao seu avô, retornando, após, para junto de sua mãe.

Finalmente estabeleceu-se na Abissínia, tendo subido ao trono e introduzido a religião judaica em seu país, originando as cerimônias que os abissínios ainda conservam.

Salomão (do hebraico Chélômôh), filho do rei David e de Bethsabá, viveu entre 1032 e 975 A.C.

Sabá foi uma cidade da Arábia antiga (Arabia Felix), junto a costa ocidental do Mar Vermelho, capital do reino do mesmo nome, que os gregos chamaram de Miriaba. Esse país, posteriormente, passou a chamar-se Yemen.

A tradição árabe conta que a rainha Balkis (Belkis), atraída pela fama de riqueza e sabedoria que adornavam o rei dos judeus, resolveu visitá-lo, tendo sido sua hóspede e mantido o relacionamento que resultou no nascimento de um filho, do qual descendem os reis da antiga Abissínia.

O episódio é confirmado (parcialmente) pela narrativa bíblica (Reis, cap. 10, vers.1 a 13, e Crônicas, cap. 9, vers. 1 a 12), exceto no que se refere ao nascimento do filho mencionado nas tradições árabes e etíopes.

Os autores árabes atribuem à rainha de Sabá dessa narrativa, o nome de Balkis ou Belkis. Outros autores a denominam de Makeda, ou Makida.

A Abissínia teve origem no antigo reino de Aksum (Axum).Em 1941, reivindicou o nome do antigo território, e passou a denominar-se Etiópia.

Os soberanos da milenar Abissínia, desde a antiguidade, usavam o título de Negus, pretendendo descenderem do rei bíblico Salomão, e da lendária rainha de Sabá.

O último negus etíope, Hailé Selassié, que reinou de 1930 a 1974, usava os títulos da tradição bíblica de “O Eleito de Deus”, “Rei dos Reis”, “O Leão de Judá”, e timbrava os documentos oficiais com o “selo de Salomão”.

Selassié nasceu em 1891[1], e tinha o nome civil de Tafari Makonen. Seu pai, o rás Makonnen, era um dos filhos do imperador Menelik II[2]. Exerceu o cargo de rás

(governador civil e militar) do Choá, uma importante unidade política e administrativa do país. Foi regente da coroa, durante a menoridade da princesa Zauditu, elevada ao trono durante a primeira guerra mundial. Com o falecimento desta, assumiu o poder e foi sagrado imperador, em 1930, com o nome de trono de Hailé Selassié. Como monarca poderoso, introduziu a primeira constituição no país, criou um Parlamento, modernizou o exército e aboliu a hereditariedade dos cargos de rás das províncias.

Em 1935, a Itália, contaminada pelos ímpetos expansionistas de Mussolini, invadiu a Abissínia e forçou o negus ao exílio. Nessa ocasião, no ano de 1936, proferiu corajoso discurso, junto a Liga das Nações, protestando contra a omissão dos Chefes de Estados das demais nações, face ao perigo nazista iminente. Foram suas palavras:

”Eu jamais acreditaria que todas as nações do mundo, entre as quais as mais poderosas da terra, pudessem acovardar-se diante de um único inimigo. Mas, diante de Deus, nenhuma nação é melhor do que outra”.

E profetizou: “Hoje fomos nós, amanhã serão vocês”.

Em 1974, um golpe militar aboliu o regime monárquico e depôs o imperador, já velho e doente, que faleceu (há indícios de que foi assassinado) em 1975, um ano após ter sido despojado do milenar trono abissínio.


Este artigo foi publicado no boletim de setembro/2000 do

Instituto de Estudos Históricos da Catalunha (Espanha)


[1] As fontes consultadas divergem sobre a data de nascimento do imperador, ora indicando 1891, ora 1892.

[2] Também na relação de parentesco do negus, em relação ao Imperador Menelik II, há divergências, sendo apontado por algumas fontes como neto, sobrinho-neto, primo em primeiro/segundo grau e outras posições genealógicas.

Hailé Selassié no Brasil

Sua Majestade Imperial Hailé Selassié I veio ao Brasil em dezembro de 1960 em missão diplomática. Veja como foi:

12 de dezembro - Hailé Selassié I desembarca em Recife em uma aeronave da Ethiopian Airlines, acompanhado pela neta Aida Desta e os vinte e cinco integrantes da sua comitiva.

13 de dezembro - Partida para Brasília. Audiência no Palácio da Alvorada com o presidente Juscelino Kubitschek. Visita o Congresso Nacional e o STF (Superior Tribunal Federal).

14 de dezembro - Sobrevoa a capital em companhia de JK. Embarque para São Paulo. Audiência com o governador Carvalho Pinto. Encontro com lideranças populares no ABC. Começa a receber notícias sobre um golpe militar que estava acontecendo na Etiópia.

15 de dezembro - O imperador é obrigado a voltar a seu país para controlar o golpe. O avião imperial levanta vôo ao raiar do dia.

O imperador Haile Selassie I e o presidente brasileiro Juscelino Kubitschek

A agenda de Hailé Selassié I ainda previa uma visita ao Rio de Janeiro, onde iria oferecer uma grande recepção ao presidente JK no Copacabana Palace, o mesmo local em que, vinte anos depois, Bob Marley se hospedaria. A rebelião na Etiópia seria controlada em menos de dois dias. Três anos depois ele iria patrocinar a primeira reunião da Organização da Unidade Africana, em Addis-Abeba, capital etíope. Em 1966 faria a famosa visita oficial à Jamaica. Em 1974 Haile Selassie I seria derrubado por militares de inspiração cambojana que mergulharam o país em um regime sangüinário, derrubado somente em 1991. Segundo relatos de familiares ouvidos após a queda do regime, o imperador teria sido assassinado em 27 de agosto de 1975, asfixiado com o próprio travesseiro. As autoridades etíopes confirmaram que a ossada encontrada no antigo palácio imperial seria de Hailé Selassié I, Outras versões atestam que seu corpo nunca teria sido encontrado, levantando dúvidas sobre sua morte. Não pretendo entrar aqui nas questões teológicas acerca da divindidade do imperador. Quem quiser se informar melhor pode procurar livros como "Queimando Tudo", a biografia de Bob Marley que traz uma história detalhada do imperador em português ou nas variadas fontes em inglês existentes na rede.

Joe Higgs, o pai do reggae, falece aos 59 anos de idade.

O cantor jamaicano Joe Higgs, conhecido como "o pai do reggae" faleceu no dia 18 de dezembro de 1999 com a idade de 59 anos em um hospital de Los Angeles, depois de vários meses em tratamento de um câncer.

Higgs foi tremendamente influente no nascimento do ska, rock steady e reggae na música jamaicana e foi respeitado por todos como compositor, arranjador e cantor, mas talvez principalmente como professor. Entre os que foram treinados por ele estavam Bob Marley, Derrick Harriott, Peter Tosh, Bob Andy, os Wailing Souls e Bunny Wailer.

Uma das primeiras gravações musicais realizadas na Jamaica, o seu compacto de estréia, feito com o parceiro Roy Wilson, foi "Oh Manny Oh" e vendeu 50.000 cópias na Jamaica em 1960. Isso o levou a assinar com Edward Seaga, que depois se tornou Primeiro Ministro durante os anos 80. "Ele foi o meu primeiro empresário", lembrava Higgs pouco antes de sua morte, completando com um pequeno sorriso, "éramos sempre pagos em dia". Seaga conseguiu que Higgs abrisse shows de Sam Cooke, Jackie Wilson e outros astros de fora.

Em 1964 ele gravou "There's A Reward For Me," para o produtor Coxson Dodd, do Studio One,que se tornou um clássico instantâneo sobre sofrimento e esperança. Ainda que ele diga que não ter recebido nenhum dinheiro pelas vendas, ele era otimista sobre este fato, dizendo "Percebi que a única pessoa que poderia me recompensar e que poderia me dar o que tenho direito é o Todo-Poderoso".

Foi no jardim de Higgs em Trench Town que o jovem Bob Marley recebeu por vários anos de Higgs aulas particulares de técnica vocal e postura de palco, anos antes dele começar a gravar com o seu grupo, os Wailers. Mais tarde Marley admitiu que "Joe Higgs é um gênio", dando crédito a ele por seu sucesso internacional.

Em 1972, Higgs ganhou o Concurso do Departamento de Turismo com a canção "Invitation to Jamaica", cujo prêmio incluía uma viagem a Nova York, onde ele cantou pela primeira vez. A dinâmica canção ganhadora estava fora das características do som mais roots que ele normalmente fazia, misturando o canto rítmico do jazz com uma letra arrebatada que expressava uma consciência política profunda e um agudo senso para a História e a literatura clássica. Canções como "So it go" e "Freedom" o mantiveram perto do topo das paradas.

Em 1973, quando Bunny Wailer, membro fundador dos Wailers, deixou o grupo, Higgs foi incumbido de acompanhar os seus antigos alunos, Tosh e Marley, em uma turnê americana como atração de abertura para o grupo Sly and the Family Stone. Eles fizeram shows aclamados pela crítica de Nova York e Boston a São Francisco e lideraram a primeira leva de artistas do reggae que trouxeram esta música para os Estados Unidos.

Em 1974, outra formação de antigos alunos, os Wailing Souls, se juntaram brevemente a Higgs e para formar um grupo de nome Atarra. Mas foi o seu trabalho com o superstar em ascensão Jimmy Cliff, em grande evidência pelo seu sucesso com o filme "The Harder they Come", que atraria a atenção do meio musical, pois ele era o líder da banda de Cliff e dividia com ele os vocais, muitas vezes para grandes platéias como no Central Park, em Nova York, e no Madison Square Garden. Abrindo cada um dos shows de Cliff e depois cantando um par de canções na metade da apresentação, Higgs muitas vezes atraía mais atenção do que Cliff e foi mais tarde relegado a fazer apenas backing vocals. Os duetos gravados naquela época por Cliff e Higgs, "Sound of the City" e "Sons of Garvey", ainda estão entre os melhores trabalhos gravados pelos dois.

O seu primeiro álbum solo saiu em meados dos anos 70, de nome "Life of Contradiction". Ele trazia o guitarrista de jazz Eric Gale, consolidando a reputação de Higgs, no que ele sempre lembrava como "a conexão jazz -música jamaicana. Gosto de de frasear a minha voz como se fosse um instrumento".

No forte documentário "Roots Rock Reggae", Higgs disse ao director Jeremy Marre que "O Reggae é música de confronto. Liberdade - é por isto que estamos pedindo. Aceitação - é o que precisamos."

O álbum "Unity Is Power" apareceu em 1979. O seu compacto de 1983, "So it Go", que chamou a atenção para a precariedade dos pobres que não têm nenhum protetor nas altas esferas, causou problemas políticos a Higgs com o partido dominante na Jamaica, fazendo-o partir para Los Angeles, onde ele viveu no auto-exílio até a morte.

Durante os últimos 15 anos, ele voltou com a sua carreira não-oficial como tutor e mentor para uma nova geração de músicos de reggae americanos e continuou a sua turnê pelo mundo, encabeçando festivais através da América do Norte e Europa.

Álbuns posteriores incluem "Blackman Know Yourself, de 1990, acompanhado pela Wailers Band. O disco contém a mais famosa composição de Higgs, , "Stepping

Razor", que se tornou a canção-assinatura do alto Peter Tosh e foi muitas vezes erradamente atribuída a Tosh. "O verso mais conhecido", sempre dizia o franzino Higgs, "é 'Não julgue pelo meu tamanho, eu sou perigoso". Nenhum cara de um metro e noventa poderia escrever isso!"

Na época de sua morte, ele estava trabalhando em uma autobiografia com este escritor e também em um projeto trans-cultural gravado no estúdio do U2 em Dublin que se chamaria "Green on Black", unindo artistas celtas como Sharon Shanon e Donal Luney com Higgs, em extensas improvisações de jazz-irlandês e reggae.

domingo, 30 de março de 2008




U Roy, nascido em Kingston com o nome de Ewart Beckford no ano de 1942, é uma das maiores personalidades do reggae, aclamado como um dos criadores de todo um gênero músical, o 'estilo DJ'. Ele trabalhava como DJ em sound- systems, equipes de som semelhantes às radiolas maranhenses, animando os bailes populares com inusitadas performances e intervenções precisas sobre a base rítmica da músicas (que geralmente vinham no lado B dos compactos). No final dos anós 60, Daddy U Roy foi o primeiro a registrar em estúdio o que fazia ao vivo e o resultado foi um sucesso avassalador. O canto falado dos DJs se tornou, ao longo dos anos, uma marca registrada do reggae. Nessa entrevista, concedida em Amsterdam para a equipe do zine DISTANT DRUMS ele fala do seu início de carreira, da cena musical jamaicana dessa época e de Bob Marley e Peter Tosh. Nuff respect ! ! !



Distant Drums - Você comecou como DJ de um sound-system no começo dos anos 60. Como você entrou nessa?



U Roy - Bom, eu ia pra escola, quando garoto, e tinha um amigo dono de um sound-system chamado Doctor Dickies. E eu pedia pra minha avó, porque cresci com ela, se eu poderia ir. Algumas vezes ela dizia sim, outras vezes era não, vá e estude suas lições. Mas eu gostava muito do sound-system e amava a música, porque era meu jogo favorito. Eu não jogava futebol, nem cricket, nem nada. E algumas vezes ela dizia 'você não pode ir', mas eu saia de fininho.



DD - Nessa época que música você escutava ?



U Roy -Tinha muita música americana naquele tempo, não havia muita música feita na Jamaica. No rádio eu ouvia James Brown e Sam Cooke. O dono de sound-system podia ir pros Estados Unidos e comprar alguns discos, porque eles competiam com outros sound-systems. Então eles traziam essa música. Naquele tempo os discos eram 78 RPM.



DD - Como você foi trabalhar com o produtor Duke Reid no final dos anos 60 ?



U Roy - Eu fui ver Duke pra falar de negócios. Eu fui pro seu estúdio e primeiro nós fizemos 'Wake the town and tell the people' e 'This station rules the nation with version'. Eu ouvi as duas tocando no radio, mas, pode acreditar, eu não tinha ideia que essas canções pudessem ir a algum lugar, porque a música dos Djs não era nada que as pessoas conheciam. E então as duas viraram da numero um e dois. Daí eu disse 'O QUÊ!'. Nas duas maiores estações da Jamaica, elas ficaram por algumas semanas. E eu fiz 'Wear you to the ball'. Ela saiu,'Wake the town' estava em segundo, 'Rules the nation' em terceiro e 'Wear you to the ball' era primeiro. Eu tive os três primeiros Iugares por doze semanas nas duas [estaçõesl. Até então eu não acreditava que aquela música iria se tornar popular. Agora, veja você, eu não acho que você pode mais parar a música dos DJs. Porque todo dia tem um jovem DJ aparecendo em todo país do mundo. Eu fico contente por isso, me faz sentir como se o que eu estou fazendo não é uma coisa estúpida. Eu não acho que tanta gente poderia estar fazendo algo estúpido. Eu me sinto realmente bem com isso.



DD - Como você se envolveu com Lee Perry ?



U Roy - Eu conhecia esses caras, Bunny Lee e Lee Perry. Eles ficavam por ali, levavam música para o estúdio de King Tubbys e coisas assim. E fiquei conhecendo eles. Nós fomos para o estúdio e fiz 'Earth's Rightful Ruler' para eles, que não foi muito longe. Mas foi um começo para mim nós negócios. Eu estava feliz com isso.



DD - Como sua carreira deslanchou ?



U Roy - Eu fazia canções especiais para diferentes sounds systems. Foi como eu comecei a ficar popular. Alguém podia vir num baile e me ouvir. E então ia até King Tubby ver se eu podia fazer algo especial para ele. King Tubby tinha um pequeno estúdio, mas estamos falando de um homem versátil, um cara com um estúdio pequeno, pequeno, mas era divertido.



DD - Você também trabalhou com Tony Robinson no TR Groovemaster estúdio ?



U Roy - Sim, fiz alguns albuns para ele, enquanto estávamos trabalhando com a Virgin, com 'Small Axe'. Nós também trabalhamos com os Gladiators naquele tempo. Prince Tony tinha uma loja e estúdio na Slipe Road, [uma rua de] Kingston.



DD - Qual foi seu sound-system favorito ?



U Roy - Meu favorito era KingTubbys. Era o melhor. O mais poderoso sound system, e [era] limpeza.



DD - Esta tarde nós escutamos sua versão para 'Soul Rebel'. Como você foi gravar com Bob ?



U Roy - Quando eu comecei a gravar, Bob me chamou. E eu e ele e Peter fomos pro estúdio na South Parade, Randy's Studio, e fizemos 'Trenchtown Rock', que chamamos de 'Kingston 12 Shuffle'. Eu cresci na mesma área de Bob e Peter. A gente se conhecia desde jovem.



DD - O que você lembra de Bob Marley ?



U Roy - Oooh, este homem era bem versátil. Ele apenas sentaria aqui e olharia para algo e ... (bate uma palma) era música. Era assim aquele homem. Ele apenas sentava aqui. Tudo, ele via tudo. Ele veria esta bolsa e diria algo sobre ela. Cara, ele fazia uma canção e estava no seu gravador. Ele era versátil assim. Este homem é muito, muito criativo. Bob é um homem serio. Ele gostava das crianças, ele amava os jovens. Ele estava sempre no meio deles.
DD - Você trabalhou com Peter Tosh também. Você tem alguma lembrança especial dele?
U Roy - 'Earth's Rightful Ruler' eu fiz com Peter Tosh. Sim, esse era um homem revolucionário. Uma vez a gente morava perto um do outro e ele me disse 'Quero fumar meu steam chalice' (cachimbo de vapor). Ele tinha um steam chalice, e me convidou para sua casa. Eu fui e foi a primeira vez que fumei um steam chalice. Neste tipo de chalice, o fogo não toca a erva. E o suco da erva que você aspira. E te deixa tão doido que eu disse ' Gooooooosssshhhh" ! ha, ha, ha, ha.



DD -Você se vê como um pioneiro do toasting, do estilo DJ?



U Roy - Eu não me vejo como pioneiro. Eu penso que a música deve ser apreciada por todos que se interessam por ela. Daí a música é muito mais importante do que o nome. É a música, não o nome, man.



DD - Quais são os pontos altos da sua carreira ?



U Roy - Well, eu vou te dizer, a melhor coisa que me aconteceu foi quando eu comecei a fazer hit apos hit. E comecei a viajar, encontrar pessoas diferentes, como aqui em Amsterdam. Agora mesmo, um tanto de gente estava falando "Yeah U Roy,Yeah". Isso faz você se sentir bem, porque é algo que você nunca espera. Quando estas coisas acontecem, eu paro e digo que e uma benção.



DD -Você tem alguma mensagem para os leitores ?



U Roy - Yeah, eu só quero dizer a eles que é bonito eles realmente escutarem a música, porque a música tem um longo caminho. Nós não sabiamos que o reggae poderia ir tão longe. Foi o apoio das pessoas que fez isso ser assim. Eu os agradeço por ter ajudado a música a ir tão longe. Então continuem tocando a música para nós. Nós amamos isto.





quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Intercâmbio promove movimento reggae no Jari


O Instituto Cultural Morejar de Laranjal do Jari realizou no dia 11 de novembro de 2006 (Sábado) no Clube Acilaja (em Laranjal do Jari) a gravação do 1º dvd de reggae do Vale do Jarí, que será reproduzido e fará parte do primeiro documentário relacionado à massa regueira moradora do município. O evento, idealizado a partir de intercâmbios culturais mantidos com o Estado do Maranhão (cidade brasileira do reggae), apresentou como novidade as "pedras" regueiras embaladas pela original radiola da baixada maranhense (Império do Som). Também houve exposição de artes plásticas e apresentações de grupos de dança afros. Todos caracterizando o movimento reggae.
De acordo com o presidente do Instituto Cultural Morejar, Edivaldo Ferreira, mais conhecido como professor "Neguinho do Reggae", o evento foi programado com vistas a integrar a conclusão do documentário "Vale do Jari - Movimento Reggae", que retrata toda a evolução e a união da população regueira, em sua maioria - cerca de 90% - migrante do Maranhão.
O documentário, que já está em fase de estudos, deve ser lançado em três estados: Amapá, Pará e Maranhão.
Neguinho do Reggae diz estar confiante de que o trabalho será uma porta de entrada a turistas vindos de outros estados.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

A História do Reggae no Brasil

Há muitas versões para o primeiro encontro dos maranhenses com o ritmo jamaicano. A versão mais aceita é a de que, década de 70, um dono de rediola (Riba Macedo), teria tido acesso a alguns discos de reggae vindos de Belém (estes, por sua vez, contrabandeados da Guiana Francesa) e teria começado a levá-los a festas “regadas” aos sons do Caribe.

Cabe, neste momento, lembrar que o reggae não foi o primeiro ritmo das radiolas do Maranhão, que antes executavam outros ritmos caribenhos, como a salsa, o bolero e o merengue. Estes ritmos embalaram os freqüentadores dos salões de São Luís e do interior (principalmente da baixada maranhense) até meados da década de 70. Assim, o reggae foi, aos poucos, inserindo-se e firmando-se no gosto do público maranhense, até que na década de 80 começo da década de 90, consolidou-se como o principal ritmo da periferia de São Luís, que passou a ser chamada de Jamaica Brasileira ou Capital Brasileira do Reggae. Neste momento de grande aceitação da música de Jah, as radiolas já quase não tocavam outros ritmos; sua preferência passou a ser a execução de reggaes que, a partir de então, transformaram-se em verdadeiras “pedras preciosas”. E quão preciosas eram...

No falar das pessoas que fazem parte deste movimento cultural, quando uma série de reggaes é executada somente por uma determinada radiola, chama-se seqüência exclusiva. Cada radiola em São Luís possui sua seqüência particular, com um qualificador específico para chamar a atenção dos regueiros; a Estrela do Som possui a seqüência demolidora, a Itamaraty, a seqüência estilosa, a Rebel Lion, a seqüência indomável, a FM Natty Nayfson, a seqüência arrasadora.

Assim, atualmente no universo regueiro, radiola, “é o conjunto de equipamentos de som das festas de reggae” (mesa do dj + conjunto das caixas de som), pela relação quase indissociável que há entre os sistemas de som e o ritmo, desde a sua explosão nos anos 80 em São Luís. No tocante à qualidade, uma radiola não é analisada por seu tamanho ou quantidade de caixas de som, mas pela sua qualidade sonora (o que implica, de certa forma, uma boa emissão da marcação do contrabaixo) e pela seqüência de músicas executadas, que precisa agradar aos regueiros.

Os proprietários de radiolas pagavam quantias exorbitantes pela posse exclusiva de um LP. Esta disputa era tão acirrada, que chegavam a financiar viagens de algumas pessoas para a busca de raridades na Jamaica, Londres, Holanda e França. A mola mestra do movimento tornou-se a exclusividade; as radiolas possuidoras de reggaes raros e comoventes (que abalavam, agitavam e emocionavam) eram as eleitas pela massa regueira. O objetivo do regueiro ao ir a uma festa era ouvir os melôs (os reggaes) exclusivos de sua radiola e sentir a motivação, o delírio do discotecário ao executá-las.

Como, geralmente, as letras dos reggaes roots são compostas em inglês, o regueiro, para facilitar a identificação da música, bem como o seu pedido nas rádios, chama-a de melô mais uma locução adjetiva determinada pela comunidade regueira por algum motivo particular ilustrando este processo de denominação com exemplos, a música Sweet P. do grupo Fabulous Five é chamada, pelos regueiros maranhenses, de “melô da chuva”. Esta denominação não tem qualquer tipo de relação com sua letra: na ocasião em que foi lançada em São Luís pelo dj Carlinhos Tijolada no clube Barraca de Pau na Cidade Operária, chovia torrencialmente e, por conta deste fenômeno da natureza, a música foi designada desta forma.

A música White Witch da banda Andrea True Conection é conhecida na cidade por “melô do caranguejo”, contudo, o motivo, neste caso, foi a adaptação fonética (adaptação que, aliás, já inspira um interesse para pesquisas posteriores). Em seu refrão, há trecho em que é perguntado What’s gonna get you? (expressão idiomática inglesa que significa O que te chamará a atenção?, O que irá te prender?), o regueiro maranhense, ao escutar este refrão, acomodou a expressão ao sistema fonológico de sua língua materna, o Português, passando a cantar “olha o caranguejo”. E, assim, nasceu o “melô do caranguejo”.

Pela associação com a solidez e resistência da pedra é que, segundo um dos entrevistados, José Eleonildo Soares, o “Pinto da Itamaraty”, uma música muito bonita na Jamaica é denominada stone, por ser uma música “de peso”, de força, de resistência; o Maranhão teria herdado espontaneamente esta lexia, traduzindo-a, assim, para o português (pedra).

Vale aqui ressaltar rapidamente que pedra já se tornou também um adjetivo, sinalizando algo superior, magnífico ou maravilhoso. Como exemplos, têm-se: aquela garota é pedra, esta música é muito pedra

Augustus Pablo

Coloquei um CD especial no aparelho e deixei que o som, tão singular, mas não estranho aos ouvidos como na primeira vez, vibrasse pelo quarto. Quando dei por mim estava dançando com meu filho e embalando-o ao som da melodica de Horace Swaby, mais conhecido pelo apelido de Augustus Pablo

O Cd em questão era o primeiro volume do CLASSIC ROCKERS, coletânea da Island Jamaica lançada há alguns anos, uma boa introducão ao universo sonoro deste jamaicano de saúde frágil e mente ágil, responsável por alguns dos momentos mais criativos da história do ritmo de Jah. Como produtor Pablo apresentou um conjunto de obras marcantes com uma grande variedade de intrumentistas e cantores, trazendo um novo subgênero de reggae, chamado de 'rockers'. O estilo tinha esse nome por causa da gravadora/loja-de-discos de mesmo nome dirigida por ele (a coletânea citada acima mostra alguns destes trabalhos com artistas como Jacob Miller, Hugh Mendell, Delroy Williams, Junior Delgado e Leroy Sibbles). Como músico levou adiante a tradição instrumental jamaicana, que vinha desde a época do ska e do rocksteady mas andava meio relegada ao segundo plano no reggae, fazendo da sua melódica (um instrumento de sopro que se toca através de um teclado, como pode ser visto no desenho acima) o instrumento solista.

Horace Swaby nasceu em 21 de junho de 1953 em St. Andrew, Jamaica, mas logo se mudou para Kingston. Desde o início o seu instrumento foi a melódica (O jornal New York Times o apontou como o maior tocador de melodica do mundo), comum nas escolas jamaicanas mas nunca usada pelos músicos profissionais, em que era auto-didata. Quando Horace tinha apenas 14 anos foi até a loja de discos de Herman Chin-Loy, primo de outro produtor mais famoso, Leslie Kong. As primeiras notas da melodica de Swaby foram suficientes para que o esperto produtor agendasse a gravação de algumas faixas com o menino tímido. O que veio à luz dessa primeira seção foi "Iggy Iggy", lançada em 1969 (o que faz constatar que ele estava completando 30 anos de carreira quando foi chamado por Jah). Foi Chin-Loy quem deu a Pablo o seu nome artístico. Ele achava que denominações exóticas davam um ar de mistério aos seus instrumentistas e isto ajudava a vender mais discos. Estas primeiras gravações foram compiladas recentemente pela gravadora de Chin-Loy , a Aquarius, no Cd AUGUSTUS PABLO & FRIENDS : THE RED SEA. Nesta época Pablo chegou a tocar teclado com os Wailers mas preferiu investir em sua própria produção.

Logo Augustus Pablo estaria alçando vôos mais altos, criando o seu próprio selo de gravação, o já citado "Rockers International" (que faria par com o sound-system do mesmo nome de seu irmão, Garth). Depois de alguns sucessos esporádicos, Pablo gravaria e entregaria para King Tubby mixar o disco que muitos consideram a obra-prima de ambos: KING TUBBY MEETS THE ROCKERS UPTOWN. Os irmão Barrett (dos Wailers) e Robbie Shakespeare dando uma canja na bateria e baixo e os arranjos de metais de Bobby Ellis formaram a base ideal para as melodias de sabor oriental de Pablo e os "efeitos espaciais" da mixagem de Tubby, perfeitamente combinados neste que é o disco de dub com o qual todos os outros são e serão comparados.

Os próximos anos seriam os mais produtivos da sua carreira. Pablo dividiria o seu tempo entre os artistas que produzia e seus discos instrumentais, como PABLO MEETS MR. BASSIE, tanmbém conhecido como ORIGINAL ROCKERS VOL. 2, que traz belíssimos temas, como a comovente "Golden Seal" e uma versão melancólica de "Burial" de Peter Tosh. Muitos outros trabalhos desta fase de ouro do estilo "rockers" podem ser apreciados em coletâneas como a da RAS Records chamada PABLO PRESENTS ROCKERS STORY (com o inacreditável Ras Bull e os Immortals fazendo uma versão de uma canção de Lennon e McCartney jamais gravada pelos Beatles:"World without love";), e álbuns como ROCKERS MEET KING TUBBY IN A FIRE HOUSE, RISING SUN, entre outros.

Um dos últimos exemplares deste período foi o estupendo álbum de Hugh Mundell, AFRICA MUST BE FREE BY 1983 & DUB, também da gravadora RAS. Mundell foi talvez a grande descoberta de Augustus Pablo e este foi certamente o melhor trabalho de sua curta carreira. A morte prematura e estúpida de Mundell (segundo o pesquisador Steve Barrow acontecida durante uma briga por uma geladeira) abalou Pablo e isso marcaria o início de um período mais discreto, o que seria acentuado pelas novas exigências do mercado, com a chegada arrasadora do estilo dancehall.

Pablo passou os seus últimos anos cuidando de sua loja, lançando obras esporádicas, como o aclamado BLOWING WITH THE WIND, e fazendo alguns shows pelo mundo. Vivia tranquilamente com a família em uma casa nas colinas próximas a Kingston até ser acometido por um mal raro e incurável, a miastenia gravis, que afetou o seu sistema nervoso a ponto dele não conseguir mais reconhecer as pessoas, vindo a falecer no dia 18 de maio de 1999, deixando dois filhos, Addis e Isis, e a companheira Karen Scott. A importância de Augustus Pablo para a evolução do reggae talvez nunca venha ser devidamente reconhecida, mas o seu legado felizmente continuará a embalar as nossas noites e nos inspirar com suas melodias inconfundivelmente belas.

Fontes: "Reggae The Rough Guide", de Steve Barrow e Peter Dalton, Reggae Source, New York Times.

Bunny Wailer


Neville O'Riley Livingstone - seu nome de batismo - nasceu no dia 10 de abril de 1947, na Jamaica. Conheceu Bob Marley ainda criança e a amizade entre eles ficou mais forte depois que a mãe de Marley, Cedella Booker, se tornou companheira do pai de Bunny, Toddy Livingstone. Os dois amigos se tornaram irmãos e continuariam se tratando assim até a morte do maior ídolo da música jamaicana, em 1981. A carreira musical dos dois também se cruzou desde o início. Um ano depois de gravar o seu primeiro compacto, "Judge Not", Bob Marley formaria com Bunny, Peter e outros amigos do gueto o grupo The Wailers, que se destacaria nos anos seguintes entre as dezenas de grupos que se formaram naquela época na ilha caribenha.

Depois de ficar quase dez anos nos Wailers (trabalho interrompido por um ano, quando ele foi preso injustamente por porte de maconha em 1967), Bunny Wailer gravaria o primeiro compacto solo,"Search for Love", pelo seu selo independente, Salomonic Records. Ao mesmo tempo os Wailers assinavam o contrato com a gravadora anglo-jamaicana Island Records e começavam a sua carreira internacional. No final deste mesmo ano lançariam o álbum "Catch a Fire", atraindo a atenção da imprensa mundial e levando o grupo a uma estafante turnê pela Europa no início de 1973. Depois de um descanso na Jamaica, deveriam voltar para a estrada, dessa vez indo para os Estados Unidos, mas Bunny se recusou a viajar. Ele já estava comprometido seriamente com a religião rastafari e não desejava ficar tanto tempo afastado de sua fazenda e de seus rituais. Ele acabou se desligando dos Wailers, no que seria seguido por Peter Tosh alguns meses mais tarde, após a participação de ambos no álbum "Burning". Era o começo de uma nova fase para Bunny Wailer, em que ele lançaria seus trabalhos em estúdio com regularidade, mas dificilmente se apresentaria fora da Jamaica.

O seu primeiro LP solo, "Blackheart Man" (Island Records - 1976), é hoje aclamado como uma obra-prima do roots reggae e é por muitos considerado como o seu melhor trabalho, ao lado de "Liberation" (Shanachie Records - 1987). A produção posterior manteria a qualidade, mas os seus trabalhos mais populares foram os álbuns realizados em homenagem aos Wailers. Chamando para si a responsabilidade de manter vivo o legado do grupo, gravou "Sings The Wailers", "Time will Tell" e "Hall of Fame", ganhando o Grammy de melhor disco de reggae pelos dois últimos (o outro Grammy foi pela coletânea de compactos "Crucial! Roots Classics", lançada em 94).

O rastaman Bunny Wailer é hoje um dos maiores nomes do reggae mundial, sempre a lembrar os seus companheiros da importância das raízes na música. Este é um recado que parece estar sendo compreendido pela nova geração do ritmo, atualmente empenhada retomar o sentimento e a arte original do reggae, mantendo o ritmo que tanto amamos como uma força viva e atuante no cenário musical do terceiro milênio.

Lee 'SCRATCH' Perry


Lee 'Scratch' Perry - alcunha de Rainford Hugh Perry, nascido em 1936 no vilarejo de Kendal, no interior da Jamaica - começou sua carreira no meio musical trabalhando como faz-tudo no Studio One, sob as ordens do lendário produtor Coxsone Dodd. Em meados da década de 60, ele era um misto de mensageiro, técnico de som, compositor, deejay, segurança e também vocalista, mostrando todo seu ecletismo (foi lá que gravou as faixas reunidas em CHICKEN SCRATCH). Depois de sete anos de trabalho, brigou com Coxsone por causa dos parcos salários e da falta de reconhecimento e foi trabalhar com Joe Gibbs, que na época ainda não era um produtor, mas tinha muita grana. Perry passou a comandar o selo de Gibbs, conseguindo alguns hits com suas produções, entre elas uma música onde fazia acusações diretas ao seu ex-patrão.
Pouco tempo depois deixou o novo chefe, novamente atirando para todos os lados, dando mostras do seu gênio terrível e da sua forte personalidade. A partir de 1968 passou a trabalhar por conta própria criando seu próprio selo, o Upsetter, e recrutando alguns jovens músicos para formar sua banda de estúdio, os Upsetters. A formação incluia os irmãos Family Man e Carlton Barret no baixo/bateria, o guitarrista Alva Lewis, o tecladista Glen Adams e Max Romeo nos vocais. Na época todos circulavam por Kingston assintindo filmes do estilo 'western-spaguetti' no cinema, à tarde, e passando as noites no estúdio, onde, devidamente inspirados, criavam ritmos demolidores. Em 1969 Perry emplacou um reggae instrumental na Inglaterra justamente inspirado nos faroestes europeus estrelados por Franco Nero e Clint Eastwood: "Return of Django", o que rendeu seis semanas de shows dos Upsetters em solo britânico. Foi justamente nessa época que os caminhos de Lee Perry se cruzaram com os de Bob Marley, em termos profissionais, visto que eles já se conheciam dos tempos do ska, tendo ambos trabalhado com Coxsone no Studio One.


As coisas estavam mudando na emergente cena reggae jamaicana, por causa do aparecimento de novos selos e produtores independentes, como Perry, que punham em xeque o reinado dos dois maiores produtores até então, Coxsone e Duke Reid. Os Wailers (Bob Marley, Peter Tosh e Bunny Wailer), que estavam sem produtor depois de terem feito sucesso e brigado com Coxsone, acabaram topando com Lee Perry.


Nesse ponto várias versões já foram apresentadas, sem que uma fosse aclamada como a verdadeira. Segundo o "Queimando Tudo", a única biografia de Marley lançada no Brasil (escrita pelo falecido jornalista americano Thimothy White), depois de alguns ensaios e gravações com os Upsetters, Bob Marley intimou o grupo à abandonar Perry e se juntar à eles, com o argumento de que a união da melhor banda de estúdio com o melhor grupo vocal da Jamaica seria devastadora. Ainda segundo o livro de White, quando Lee Perry soube da tentativa de Bob ficou furioso, a ponto mesmo de querer matá-lo. O caso só teria sido resolvido num tête-a-tête entre os dois, quando depois de horas de discussão acalorada eles chegaram a um acordo, deixando a sala onde estavam em meio à risos e tapinhas nas costas. Os Upsetters se juntariam aos Wailers, sim, mas o produtor exclusivo seria, obviamente, o próprio Perry.


De acordo com outra fonte talvez mais autorizada sobre o assunto, a biografia de Perry, "People Funny Boy", escrita pelo jornalista anglo-americano David Katz (que conviveu com Perry ao longo de quinze anos para completar o livro), Marley o teria procurado com idéias para canções (a primeira teria sido "My Cup") e eles teriam começado a trabalhar sem muitos problemas. O fato é que, de qualquer modo, Perry parou por um tempo com a produção dos inspirados reggaes instrumentais que fizeram o seu nome para se dedicar aos novos contratados.


Logo todos estariam no estúdio, criando o que seria o ponto alto não só das carreiras de cada um como também da própria história da música jamaicana. Marley passou a praticamente morar nos fundos da loja/estúdio de Perry, a Upsetter Shop, dedicando todo o seu tempo a aperfeiçoar a sua música e sendo decisivamente influenciado pelo produtor, tanto em sua forma de cantar como de compor.


A química que rolou nas sessões dos Wailers com os Upsetters foi insuperável, tal a quantidade de clássicos que foram produzidos. São canções que mudaram os rumos do reggae, serviram de base ao enorme sucesso alcançado por Bob na seqüência e estabeleceram Lee Perry como um dos grandes produtores da Jamaica. Muitas das músicas que saíram dessas sessões (Small Axe, Duppy Conqueror, Kaya, Put it on, entre outras) foram regravadas depois por Bob, mas a magia das gravações originais nunca seria ultrapassada.


Infelizmente Perry fez um contrato espúrio com uma distribuidora americana picareta nos anos 1980, que inundou o mercado com Cds feitos a partir de uma fita cassete que ele tinha à mão com estas preciosidades. Por isso o impacto destas canções foi reduzido para as novas gerações, que se cansaram de ver as mesmas faixas de baixa qualidade de reprodução sob vários nomes diferentes. São álbuns que creditam todas as faixas a Marley ou a Marley/Perry, mesmo aquelas reconhecidamente de autoria de Peter Tosh ou Bunny Wailer e por isso não geram direitos autorais para ninguém. Essa é uma das razões pelas quais Bunny e Scratch não se bicam até hoje.


Entre 1969 e 1970 as coisas funcionaram bem, mas em 1971 a ligação entre Lee Perry e os Wailers originais desandou. Tratando-se de personalidades fortes, foi até natural o rompimento da relação de amor e ódio que se estabeleceu entre eles, em meio à acusações mútuas. Apesar disso Perry trabalharia com Marley esporadicamente ao longo dos anos subseqüentes, como na gravação do importante compacto "Jah Live" e na concepção do álbum "Rastaman Vibration", além de outras produções que só agora vieram à tona, como a bela "I know a Place". Como todos sabiam da forma um tanto ilógica com que Perry tratava os seus colaboradores e amigos, Marley nunca deixou de procurá-lo e de freqüentar a casa de seu terceiro mentor (já que o primeiro foi Joe Higgs e o segundo, Coxsone Dodd). Os Wailers ficaram com os irmãos Barret, reformulando o grupo e assinando um contrato com a Island em 1972, onde continuaram a fazer história. Os demais músicos seguiram seu caminho e Lee Perry ficou com o nome Upsetter, convocando novos instrumentistas para seu próximo projeto.


Com o fim da revolucionária parceria com os Wailers, Lee 'Scratch' Perry começou a construir um estúdio nos fundos de sua casa que viria a se chamar Black Ark. Entre 1973 e 1979, o Black Ark foi uma potente usina musical, sob o comando de seu tresloucado construtor/comandante. O som do Scratch e de sua confraria marcou época com produções inovadoras e à frente do seu tempo. Passaram pelas mãos de Scratch nomes como Max Romeo, Junior Murvin, Heptones, Gregory Isaacs, Junior Byles, Congos, além de calouros a quem dava a tão sonhada primeira chance. E ele ainda encontrava tempo para cuidar de sua carreira solo. O documentário "Roots, Rock, Reggae", do inglês Jeremy Marre, registra uma dessas seções, dando uma idéia do clima que gerou uma sonoridade única, que também nunca mais foi repetida, nem por Scratch nem por ninguém.


Com as atenções do mundo voltadas para a Jamaica por conta do sucesso de Bob Marley, era natural que a música de Lee Perry se destacasse, levando-o à vôos internacionais. A Island Records assinou com ele um contrato de distribuição, e seu estilo acabou chamando a atenção de figuras como Paul McCartney e o Clash, que inclusive regravaria no seu primeiro disco a clássica 'Police and thieves'. Pra manter a tradição ele acabou rompendo com Chris Blackwell, chefe da gravadora, à quem também fez acusações através de suas músicas.
Lee Perry viveu esse período trancado no estúdio na maior parte do tempo, às voltas com intermináveis sessões de gravação regadas à álcool e ganja em profusão. As pressões da notoriedade começaram a ficar cada vez mais pesadas, com dezenas de dreads freqüentando a sua casa em busca de uma oportunidade de gravação ou de dinheiro (ele chegou a ser extorquido por traficantes e outros bandidos da ilha). Tudo isso, somado ao fato de suas inovadoras produções não estarem dando o retorno financeiro esperado (além de uma certa hesitação da Island em lançar os trabalhos mais experimentais), levou-o a sofrer uma séria crise nervosa, que o fez expulsar a pauladas todos os estranhos de sua casa. A partir de então ele foi abandonando aos poucos a produção no Black Ark. Após uma frustrada tentativa de retomar o estúdio, um incêndio que muitos dizem ter sido ateado por ele mesmo (embora a famiília negue), em 1983, enterrou para sempre a história da Arca Negra. Desde então muito se falou em reerguê-lo, mas nada de concreto foi realmente realizado para tanto.

Depois do incêndio, Perry acabou sendo abandonado por sua companheira, Pauline Morrison, cansada do seu estilo de vida. O acontecimento significou uma ruptura radical com o passado, onde ele resolveu não gravar mais com seus companheiros jamaicanos (principalmente os que usavam dreadlocks, uma implicância que iria durar por muito tempo), marcando o início de uma fase em que ele passou a ter um comportamento cada vez mais excêntrico. Recebia jornalistas agindo de maneira estranha, em meio às ruínas do estúdio, totalmente cobertas de graffitis e outras pinturas, sempre com um discurso meio fora de órbita, poético, como um orador tresloucado e muito bem informado. Por essas e outras, ficou com fama de louco. Perry passaria os anos seguintes errando entre a Europa e a Jamaica, chegando a morar em Londres por alguns anos. Nessa época participou de muitas produções, mas apenas algumas resultaram em álbuns acabados, mesmo assim de qualidade variável. Uma de suas decisões nessa época foi dar prioridade à auto-produção, embora de vez em quando aceitasse trabalhar para outros artistas.
Em 1987 aconteceu finalmente o retorno definitivo do gênio aos seus melhores dias.


Trabalhando em conjunto com o produtor inglês Adrian Sherwood e a banda Dub Syndicate (cujo núcleo era formado pelos integrantes da banda Roots Radics), Perry lançaria o clássico 'Time Boom X De Devil Dead', muito mais do que uma obra-prima. Foi a sua volta à cena em grande estilo, embora ele pouco tenha contribuído para dar forma à base instrumental deste disco (mas suas letras geniais e performance inspirada no vocal já bastaram). Na seqüência se seguiram outros excelentes lançamentos, como "From the Secret Laboratory", bem como várias reedições de suas agora lendárias produções dos anos 70, como a já citada "Open the Gate" .


Depois de todas as atribulações de sua vida pessoal, que também foi bastante intensa (tem pelo menos seis filhos com várias mulheres), encontrou um refúgio seguro na Suíça, junto com sua nova esposa, Mireille Perry. Assim, Lee 'Scratch' Perry se mantém como um dos nomes mais importantes e decisivos na história do Reggae. As produções realizadas nos últimos 15 anos fizeram com sua carreira como showman decolasse. O rei louco do reggae é hoje um artista muito solicitado para shows ao redor do planeta, quase sempre junto com outro produtor de grande talento: Mad Professor (nome que parece ter sido inspirado em Perry), com quem gravou vários álbuns nos últimos tempos.


Lee "Scratch" Perry continua a reinar soberano nos palcos e estúdios, cumprindo uma trajetória atribulada mas vitoriosa. Depois de algum tempo longe da ilha natal, parece estar recebendo o reconhecimento devido de seus conterrâneos, pois recebeu, em agosto de 2002, o Lifetime Achievement Award, prêmio pelo conjunto da obra dado aos artistas jamaicanos de maior destaque. Em 2003 outra láurea importante, o Grammy, o mais importante prêmio da indústria fonográfica mundial, pelo álbum "Jamaican ET".


Em abril de 2007, Lee Perry finalmente se apresentou no Brasil pela primeira vez. Tendo em vista tantos nomes de peso da cena jamaicana que se foram nos últimos anos, pode-se dizer que Perry é um sobrevivente, para a sorte de quem puder encontrá-lo frente a frente em uma de suas loucas apresentações.

Discografia selecionada:


Lee Perry : Chicken Scratch (Heartbeat/USA) - Puro ska. Gravações de 64 e 66, com acompanhamento dos Skatalites, algumas com backing vocals dos Wailers.
The Wailers: Soul Revolution (Trojan/UK) - Dois cd's com catorze registros das memoráveis sessões que reuniram Wailers, Upsetters e Lee Perry e suas respectivas versões dub. Clássico.


Lee Perry : Africa's Blood (Trojan/UK) : Lançado em 71, a maioria das músicas são instrumentais dos Upsetters.
The Upsetters and Friends 1969-1970 (Trojan/UK) : Registros de sessões de gravações comandadas por Perry no período.

Lee "Scratch" Perry: Upsetter Shop Volume 2 - gravações realizadas entre 1969 e 1973, com algumas canções raras de Eric Donaldson e o impagável Pat Satchmo, que cantava exatamente igual a Louis Armstrong.

Lee Perry: Black Board Jungle Dub - Alguns dos primeiros "experrymentos" sonoros com a forma do dub. Várias versões de faixas realizadas para os Wailers, como "Kaya" e "Keep on Moving". Indispensável.

Lee Perry and The Upsetters : Some of the best (Heartbeat/USA) - Coletânea com alguns dos clássicos produzidos com a primeira encarnação dos Upsetters.

Lee Perry and Friends: Upsetter Colection (Trojan) - Reúne desde instrumentais antigos, como "Django shoots first", até canções antológicas da fase imediatamente anterior ao Black Ark, como "Words of my Mouth", passando por faixas hilárias como "Cow Thief Skank" e outras com um balanco funky como "French Connection".

Lee Perry and Friends: Chapter 2 of "Words" - Bom complemento ao disco anterior, com várias versões de "Words of my Mouth" e outras faixas cômicas, como "Burning Wire". Alguns Djs, como Dennis Alcapone ("Rasta Dub") e I Roy ("Dr. Who"), dão as caras.

Lee Perry and Friends: Give me Power (Trojan): Algumas das últimas gravações realizadas antes da construção do Black Ark, com destaque para as faixas de Max Romeo, Junior Byles e a bela "To be a Lover".

Lee Perry & Friends : Scratch and Company Chapter 1 (Ras) : Genial. Material gravado entre 70 e 76, com a presença de vários artistas e muitos dubs. Mais tarde foi lançado pela Ras juntamente com o antológico "Black Board Jungle Dub" no Cd "Scratch Attack".

Lee Perry: Arkology (Island) - Caixa de 3 Cds com algumas das mais sensacionais produções oriundas da Black Ark. Destaque para as versões de "Police and Thieves" e outras faixas clássicas, como "Vibrate On" (esta uma colaboração com Augustus Pablo.

Lee Perry and Friends: Open The Gate (Trojan) - Traz faixas comoventes, como "Rainy nights in Portland" e outras de grande força melódica e inventividade rítmica.

Lee Perry and The Upsetters: Build the Ark (Trojan) - Segundo o "Perriólogo" Mick Sleeper, este e os dois álbuns listados acima formam a "santíssima trindade" das produções da Black Ark. Neste tem várias pérolas, inclusive uma inacreditável versão de "Feelings" (aquela do brasileiro Morris Albert), com direito a dub.

Lee Perry: Soundzs from the Hot Line (Heartbeat) : Gravações feitas no Black Ark, entre 76 e 79, algumas tiradas de fitas master que estavam quase perdidas. Pedradas.

Lee Perry e Dub Syndicate: Time Boom X De Devil Dead (EMI-Odeon, 87) : Já comentado no texto acima. Lançado no Brasil em 88, hoje fora de catálogo.

From the Secret Laboratory (Mango/USA, 90) : Outra excelente produção conjunta de Perry e Adrian Sherwood, como o disco anterior.

Lord God Muzik (Heartbeat, 92 ver capa ao lado) - Não tem a força dos anteriores, mas traz curiosidades, como "Hot Shit" (singelo recado ao desafeto Chris Blackwell).

Mystic Warrior (Ras, 90) : Ótimo disco, uma parceria com Mad Professor.
Junior Murvin : Police and Thieves (Mango, 77) - Clássico eterno, que vale não apenas pela faixa-título, mas por todas as outras, emolduradas pelo falsete de Junior Murvin.

Max Romeo : War inna Babylon (Mango, 77) - A faixa-título marcou a carreira de Romeo, que sempre a canta em seus shows. Outras voltaram à tona recentemente, como "Chase the Devil", sampleada em uma faixa do Prodigy e em outros menos votados.

Heptones: Party Time (Mango,77) - Heptones inna Black Ark stylee, muito swing e classe, sob a liderança do mestre Leroy Sibbles, regravando alguns dos sucessos criados para o Studio One.
The Congos: Heart of The Congos (Blood & Fire, 96) - Originalmente gravado em 1977, é um dos mais festejados álbuns de reggae da história. No entanto foi recusado pela Island, que achou o material fraco, provando que Chris Blackwell também cometeu sua cota de erros crassos.

Lee Perry também colaborou para tal erro de avaliação, mandando para a gravadora uma cópia mal-gravada em cassete, pois talvez ele não quisesse mesmo que o "vampiro branco" o lançasse. Teve uma edição decente somente na década passada, sob a tutela do expert Steve Barrow, mentor da gravadora Blood & Fire. Graças a ele foi possível apreciar em toda a plenitude o falsete de Cedric Myton e o poderoso barítono de Congo Ashanti Roy e Watty Burnet. Infelizmente a fogueira das vaidades foi atiçada pelo interesse internacional pelo grupo e eles romperam com Scratch em seguida (e depois entre eles) e nunca voltariam a fazer nada parecido com esta obra-prima.

Fonte: biografia de Lee 'Scratch' Perry escrita por Mick Sleeper, biografia de David Katz, "People Funny Boy".

P.S.- nota sobre o Grammy de Lee Perry, em 2003:
Lee "Scratch" Perry ganhou o seu primeiro Grammy de melhor álbum de reggae por "Jamaican ET" . O disco foi lançado pela Trojan Records (foi a primeira vitória de um lançamento desta veterana gravadora inglesa) e era um dos últimos trabalhos originais de Perry. Ele concorreu com: Alpha Blondy, pelo álbum "Merci" (Shanachie Records); Bounty Killer, pelo álbum "Ghetto Dictionary: The Mystery" ; Capleton, pelo disco "Still Blazin" e Freddie McGregor, pelo álbum "Anything For You", todos os três últimos pela gravadora 'jamaicana' V.P. Records. Segundo o jornal Jamaica Gleaner, a comunidade musical jamaicana reagiu com um pouco de frustração, pois se esperava uma vitória de algum artista radicado na ilha (Perry mora há mais de dez anos com sua esposa e filhos na Suíça), mas também houve o reconhecimento de que ele merecia o prêmio por sua sensacional contribuição para o reggae, embora não particularmente pelo álbum em questão. Outro jornal, Jamaica Star, foi o único a conseguir uma entrevista do veterano produtor, compositor, cantor e shaman do reggae. No entanto, fiel às suas características, concentrou-se em "desesclarecer" a razão de não ter ido a Nova York receber o Grammy, dizendo que havia jurado nunca mais por os pés no que ele chama de "city of doom" (algo como "cidade da fatalidade"). Acrescentou ainda a enigmática afirmação: "Eu sou o inimigo número um de George Bush. O que quer que ele faça, sentirá na pele". Perry ainda acrescentou que não faz mais reggae, mas sim "Eggae", sem esclarecer exatamente o que queria dizer. A sua esposa, Mireille Perry, foi mais clara quando contou ao repórter, com alegria, que todos estavam muito felizes e que o medo da guerra foi a razão que os fez ficar em Zurique. Outra razão pode ser mais uma das muitas superstições jamaicanas: a de que ganhar o Grammy seria uma "maldição", pois alguns artistas, como Black Uhuru e Shabba Ranks, experimentaram um revés em suas carreiras após ganhar o pequeno gramofone. No entanto, como bem observou Roger Steffens, coordenador da comissão que selecionou os indicados, a maioria dos ganhadores ficou na mesma ou mesmo melhorou sua posição, como os recém-laureados Beenie Man, Shaggy e Damian 'Junior Gong' Marley.


A lista completa dos artistas ganhadores do Grammy de melhor álbum de Reggae, desde sua primeira indicação, em 1984, segue abaixo: Black Uhuru (1984), Jimmy Cliff (1985), Steel Pulse (1986), Peter Tosh (1987), Ziggy Marley and the Melody Makers (1988,1989, 1997 e 2006), Bunny Wailer (1990, 1994 e 1996), Shabba Ranks (1991 e 1992), Inner Circle (1993), Shaggy (1995), Sly and Robbie (1998), Burning Spear (1999), Beenie Man (2000), Damian 'Junior Gong' Marley (2001, 2005), Lee "Scratch" Perry (2002), Sean Paul (2003), Toots Hibberts (2004).